Como é fazer um Mestrado de Roteiro nos EUA com bolsa da Fulbright?

Aqui no site, você já viu um artigo onde Mariana Tesch, Amanda Baião e Clarissa Appelt, ganhadoras da bolsa Fulbright de mestrado de roteiro nos EUA deram algumas dicas de como se preparar para cada etapa.

5 anos depois, já de volta dos Estados Unidos, Amanda e Clarissa contam como essa oportunidade trouxe novas perspectivas profissionais e pessoais! Elas compartilharam o processo de mudança de país, os programas de mestrado escolhidos, suas rotinas de criação, a descoberta de novas habilidades e a volta para o Brasil. Confira!

 

Preparação para fazer um Mestrado de Roteiro nos EUA 

Após a lista de aprovação do edital, Clarissa e Amanda logo entraram em contato pelo Facebook e ficaram amigas. Depois de ganhar a bolsa, elas ainda precisaram passar pelo processo de inscrição nas universidades. 

Amanda conta que no início estava encasquetada em cursar o mestrado na University of Southern California (USC), considerada a melhor faculdade de cinema do mundo. Mas, ao mesmo tempo, sempre acreditou que iria para onde tivesse que ir e, de fato, foi o que aconteceu. Ela foi aprovada na Northwestern University em Illinois e na American Film Institute (AFI), em Los Angeles. “Eu fiquei muito na dúvida, mas acabou que o programa da AFI foi exatamente o que eu precisava ter feito.” 

Amanda sempre aconselha a se preocupar com a aplicação da bolsa primeiro, conseguir as cartas de recomendação, preparar os materiais, depois pensar na etapa das universidades. “Aplicar para as universidades não é uma ciência exata, não quer dizer nada em relação ao seu material ou potencial. Você vai pra onde tiver que ir, acredita nisso!” 

Clarissa aponta que estava num momento de reconstrução, de novos ciclos e por isso, foi sem muitas expectativas e com o coração aberto.  Ela foi aprovada em 3 universidades, University of Southern California (USC), American Film Institute (AFI) e Loyola Marymount. 

Ela também queria aplicar para a UT, no Texas, por admirar cineastas que saíram de lá, porém a universidade exigiu o GRE, um teste de aptidão para estrangeiros que ela não teve tempo de fazer. “Depois que você passa na bolsa, tem pouco tempo para enviar materiais. Então se uma faculdade tiver algum pré requisito que você não possui, você não vai conseguir se inscrever.” Clarissa conta que trabalhou com produção por cinco anos e por conta dessa experiência, ela optou pela USC, um programa exclusivo para roteiro.  

 

Chegando em Los Angeles

mestrado_roteiro_EUA_apartamentoAmanda e Clarissa foram um mês antes para Los Angeles para procurar moradia, fazer um mapeamento da cidade e entender como iria ficar o deslocamento para as universidades. A princípio, a ideia era dividir um apartamento, afinal, LA é uma cidade bem cara –  como elas contam.   

A busca foi intensa e nada fácil. Clarissa e Amanda moraram juntas por um tempo num Airbnb enquanto não fechavam um apartamento. Mas para Clarissa, aquele era um momento de descoberta e de viver experiências novas, por isso ela decidiu alugar um studio e morar sozinha. Ela morou no bairro de Koreatown, uma parte mais barata da cidade. O bairro é tipicamente coreano, mas também tem outras misturas como Bangladesh, El Salvador e México. “É um bairro muito latino. Você pode se comunicar em espanhol em qualquer lugar.”   

Amanda conta que, além dos grupos de moradia no Facebook, a AFI faz um match entre o calouro e um veterano para facilitar a adaptação. É alguém para dar dicas sobre a cidade e ser um ombro para chorar de vez em quando. Ela foi para LA com seu namorado que já tinha familiares na cidade e isso facilitou bastante o seu processo de adaptação.    

 

Os programas de mestrado de roteiro nos EUA- AFI

Cada universidade possui um programa diferenciado voltado para as habilidades que o aluno quer desenvolver. 

A AFI é um conservatório que reúne estudantes de roteiro, direção, edição, direção de fotografia, produção e direção de arte. As turmas têm em média 28 alunos que no primeiro ano são divididos em 3 grupos diferentes para produzir 3 curtas-metragens.

mestrado de roteiro nos EUA
Amanda com Casey McKinnon, atriz que atuou no seu curta

“Você vê todo o processo. Escreve, vai pra ilha de edição, participa das reuniões de produção, vai pro set.”

Tudo isso acompanhado por um mentor responsável pelo mesmo grupo durante todo o curso. Para a realização dos curtas, a AFI fomenta uma parceria com a Associação de Atores de Hollywood e cede os recursos financeiros para a produção. 

Nesse primeiro ciclo, os alunos assistem aulas de todas as disciplinas: roteiro, produção, passando por figurino até o som. Isso possibilita que eles entendam o dia a dia da indústria e descubram novas habilidades. 

 

mestrado de roteiro nos EUA
Amanda atuando como diretora

Amanda conta que no seu segundo ano, a diretora do departamento de roteiro Ana Thomas abriu uma turma de direção para roteiristas. Foi assim que ela teve sua primeira experiência na área. “Eu descobri que também sou diretora. Eles construíram em mim uma confiança que eu não tinha”. Nos 3 primeiros meses, o ritmo do programa foi insano. Os alunos se reuniam das 09 da manhã até as 22h em grupos menores, o que deixou a turma bem unida.

Ao final de cada ano os alunos passam pelo Portfolio Review. A banca avalia o material e dá feedbacks construtivos sobre a sua evolução. 

Ao todo, Amanda escreveu 8 roteiros: 3 curtas, 2 specs e 2 longas. Ela também participou de um curso de férias em que escreveu um piloto original de animação. 

 

Os programas de mestrado de roteiro nos EUA – USC

Já no programa da USC o foco é 100% roteiro. Ele foi criado pelo Frank Daniel, famoso por desenvolver a teoria das 8 sequências. Quem abriu o programa foi David Howard, primeiro professor da Clarissa e a pessoa que ela mais amou conhecer. Para ela, quanto maior o match entre professor e aluno, melhor a experiência. 

Turma do professor David Howard

Por semestre, são cerca de 32 alunos. Eles assistem às aulas gerais e também são divididos em pequenos workshops de 6 ou 7 alunos coordenados por um professor. Nesses grupos, eles discutem seus projetos e cada um apresenta sua ideia. “Nessa sala, todo mundo ajuda a melhorar a ideia de todo mundo.” Ao longo do primeiro ano, eles escrevem um curta, um spec e um longa. Paralelamente aos workshops, eles dão conta das demandas de outras disciplinas. 

 

No primeiro ano, ela também teve aulas de atuação para roteiristas. Para ela, se colocar nesse lugar de ator é muito importante na construção de um roteirista.

No segundo, os alunos escrevem um roteiro que será a sua tese final do curso, através de 2 workshops diferentes com o mesmo professor que lê o primeiro e o último. 

Alunos dos mestrados de cinema da USC
Alunos dos mestrados de cinema da USC

No final do curso, a USC ajuda os alunos a se conectarem com alguma personalidade do cinema que eles gostariam de conhecer. Já no Brasil, Clarissa conseguiu fazer uma chamada de vídeo com Mike Flanagan, criador da série A Maldição da Residência Hill (Netflix).   

 

O desafio de escrever roteiro em inglês

Writers Retreat da USC

Apesar de dominar bem a língua, Clarissa e Amanda contam que foi bem desafiador escrever roteiros em inglês, principalmente para deixar os diálogos mais orgânicos e com subtexto. Na turma de Amanda, além dela, haviam mais 5 alunos estrangeiros que tinham o inglês como segunda língua: mais uma do Brasil, duas da França, uma da China e uma do Quirguistão.  Na turma da Clarissa também tinham poucos estudantes estrangeiros: um brasileiro, um britânico, um austríaco e uma árabe-saudita. 

Por muitas vezes, Amanda conta que antes de entregar um texto para o professor, pedia aos colegas que ajudassem na revisão. Os alunos tinham uma entrega semanal em qualquer matéria que eles estivessem, pra trocar os trabalhos entre si e dar notes. “Às vezes o texto de um colega inspirava. Você tinha a oportunidade de ler trabalhos muito bem escritos, com uma capacidade de síntese absurda. Pelo trabalho dos outros eu absorvi muita coisa.” 

Além disso, os professores tinham um papel muito relevante na adaptação dos alunos estrangeiros, sendo bem generosos, mas sem serem condescendentes. É muito importante tentar entender o que o roteirista quis dizer com aquela história e auxiliar a partir dali; perceber as falhas do roteiro sem ideias pré-concebidas. 

 

Além da língua, a cultura

Amanda conta que os aspectos culturais, socioeconômicos e gostos, influenciaram mais na escrita do que a própria nacionalidade. “Era muito legal quando você tinha no grupo uma base de entendimento da sua linguagem, não só a nacionalidade. É muito importante ter alguém com quem você tenha afinidade criativa, alguém que entenda a sua intenção com aquela história.” Para ela, a afinidade criativa é algo que aproxima as pessoas. Um exemplo disso foi sua identificação com Alex, seu amigo americano. Eles tinham uma abordagem parecida e uma afinidade de referência do que gostariam de explorar. 

Para Clarissa, a dificuldade veio mesmo quando escolheu escrever algo bastante pessoal, abordando sua religiosidade. “No segundo período eu quis escrever sobre o que era a umbanda, apresentar e descrever o que era a incorporação, foi difícil. Tem essa barreira cultural sim! Eu tinha mais dificuldades para me expressar e você nunca consegue ficar num lugar de igualdade com os americanos. Mas não é nada paralisante e eles te incentivam bastante.” 

 

Vivendo em Los Angeles 

mestrado de roteiro nos EUA
Concerto do maestro John Williams (compositor de trilhas sonoras clássicas do cinema, como do filme Star Wars, ET, Harry Potter ) no Hollywood Bowl que as bolsistas assistiram a convite da Fulbright

O foco principal quando se vai fazer um mestrado de roteiro nos EUA, é estudar. Mas unir o estudo à outras experiências também é essencial. Clarissa e Amanda contam que a Fulbright organizou e custeou eventos com intercambistas de diversas áreas e países, facilitando a interação através de almoços e viagens.

“A gente ia para outra cidade num hotel com programação todos os dias. Os fulbrighters acabavam ficando muito próximos, a gente saía, fazia churrasco…”, conta Clarissa. E tanto a AFI quanto a USC promoviam eventos internos como festivais de curtas e exibições. 

Amanda conta que no primeiro ano o seu maior objetivo foi sobreviver aquela adaptação e que não saiu muito. No segundo, ela ficou mais aberta a fazer programações diferentes como assistir o Oscar e o Globo de Ouro com seus amigos de faculdade, comemorar aniversários e fazer churrasco. 

Amanda e a colega de turma Ariane Hahusseau fazendo trilha em LA

Apesar da falta de tempo para explorar a cidade, Amanda amou a experiência. Para ela, Los Angeles é uma cidade muito parecida com o Rio de Janeiro em muitos aspectos.

“É uma cidade rodeada de montanhas e natureza. Você tá sempre a 30 minutos de uma trilha, praia. A cidade também tem muita desigualdade social, então alguns espaços são mais segregados.”  

 

 

Oportunidades na cidade do cinema

Também havia uma farta oferta de atividades culturais. Por exemplo, Amanda participou do festival da AFI onde viu o filme Capernaum de uma de suas diretoras preferidas: Nadine Labaki. Ao final da sessão, ela teve uma grande surpresa. A diretora estava no auditório para responder perguntas dos alunos. Amanda conta que esse foi um dos momentos mais incríveis. 

Já Clarissa fez também muitos amigos na própria USC, não só na turma de roteiro, mas também de outros cursos. Por conta dessa interação, ela escreveu um curta a pedido de um amigo do MFA de direção, que usou o roteiro para fazer um exercício de uma de suas aulas. Além de escrever, ela também atuou como assistente de direção e preparadora de elenco.

E numa aula de Economia do Cinema, eles receberam a Kate Purdy, criadora da série Undone. No final da aula, Clarissa e Kate conversaram e a roteirista a convidou para fazer um teste de câmera para a série. Anos depois, Clarissa descobriu que ela e seu namorado vão aparecer em Undone! 

 

Volta para o Brasil afetada pela pandemia

Faltando poucas semanas para encerrar o mestrado de roteiro nos EUA, a pandemia de COVID-19 mudou completamente os planos de Amanda e Clarissa. Com medo que as fronteiras fechassem, rapidamente elas prepararam a mudança. Assim, terminaram o mestrado a distância com aulas por vídeo chamada e encontros virtuais muito especiais. Por exemplo, os alunos da AFI conversaram com Steven Spielberg, Alejandro Iñárritu, Spike Lee e Aaron Sorkin que compartilharam suas experiências na indústria cinematográfica. 

Clarissa estava pronta para viajar pelo país com seu namorado quando a pandemia se iniciou. Ela ficou bastante assustada. Esvaziou o apartamento em uma semana e voltou para o Brasil. Ficou 6 meses na casa dos pais escrevendo projetos. “Eu fui indicada pra duas salas, mas bateu na barreira da experiência. Eu acho que tem dois caminhos: começar como assistente e ir se consolidando e o outro é criar uma relação com a produtora, que é um caminho mais longo, aos poucos você consegue vender alguns projetos e vai comendo pelas beiradas”. 

 

Carreira depois do mestrado de roteiro nos EUA

Mesmo que a volta não tenha sido fácil, Amanda foi muito acolhida no Brasil pela produtora em que ela trabalhava antes de viajar. “Eu dei muita sorte, não fiquei sem trabalho em nenhum momento. O curta que escrevi e dirigi também me abriu muitas portas pra falar sobre a minha linguagem.” 

Segundo Amanda, agora ela é outra escritora, com mais domínio dos elementos de uma cena e da técnica. Ela aprendeu a ser mais generosa e não ser tão dura com o seu processo de criação. 

Para Clarissa, o principal para se tornar roteirista é aprender a gostar do processo. Afinal, se passa mais tempo nele do que escrevendo o roteiro em si. Mais do que a mudança na escrita, Clarissa percebe que essa experiência trouxe uma mudança pessoal, segundo ela, da água para o vinho. 

Acredito que o sonho de muitos roteiristas é fazer um mestrado de roteiro nos EUA ou ao menos, fora do país. A bolsa da Fulbright é um caminho que muitos recorrem para fazer se especializar. As inscrições para o edital já estão abertas e vão até o dia 20 de Maio no site da Fulbright. 



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